Discurso de Natal de Getúlio Vargas.

 PALAVRAS DE ESPERANÇA E DE FÉ

Brasileiros :
Dirigindo-vos a palavra nesta data em que a Cristandade
comemora o nascimento de Jesus, faço-o com o pensamento voltado
para uma grande esperança que é a do advento da paz sobre a
terra, anseio supremo dos homens de boa vontade.
Por mais sombrios que se apresentem os horizontes e mais
ameaçadoras do que nunca as forças de destruição, haverá sempre,
graças às sementes divinas que a presença de Cristo espalhou
sobre à Terra, uma possibilidade de ver surigr e crescer a árvore da
paz.
à era da paz, a sonhada idade da justiça. Será tão grande cegueira não nos darmos conta dos repetidos sinais que advertem
das atividades dos agentes do mal, a rondar o frágil equilíbrio deste
mundo, quanto o descrermos que se alcance encontrar termo para
tantas inquietações e agonias. Nesta hora de graves ameaças tere-
mos de escolher entre resistir ou perecer.
Falando-vos neste Natal, quero transmitir-vos uma palavra de
esperança e fé no dia de amanhã. O de que mais necessita o
mundo é de esperança e se é possível mesmo numa só palavra
definir a crise, que marca a fisionomia deste século cem um sulco
tão trágico, essa palavra é descrença! Falta aos homens dos dias
que correm, a esses homens sofridos e provados por tantas experi-
ências dolorosas, confiança numa solução final e harmoniosa dos
conflitos e ódios que dilaceram este mundo.
A evocação do humilde e maravilhoso mistério do Natal nos
leva sempre a acender na nossa alma uma renovada crença em
dias melhores. Ao contemplarmos o quadro antigo mas tão vivo
do nascimento do cristianismo, sentimos renovar-se e reflorescer a fé numa atuação mais decisiva das forças do bem sobre as almas,
reduzindo os egoismos, diminuindo as fronteiras que separam os
homens em castas incomunicáveis. O que nasceu na pequena
lapa em Jerusalém, numa noite que não passou jamais, o que redi-
miu a humanidade com Sua passagem neste planeta, revelando ao
ser efêmero a sua própria grandeza original, vive sempre na ciência
do espírito cristão, garantia de uma esperança eterna de salvação e
renascimento.
Falando-vos neste dia de fraternidade, com que todo o mundo
cristão se debruça comovido diante do berço humilde, não poderia
eu deixar de lembrar-me, levado pela sugestão evocativa, dos
deveres e obrigações que temos para sem os que agora despontam
para a vida e para com as gerações futuras, que serão o Brasil de
amanhã e de sempre. Não é o Presidente da República a quem
a investidura importa numa tão grave responsabilidade cem o
presente e mais ainda com o futuro, quem vos fala nesta hora, mas
um homem cuja experiência já é longa e rica de ensinamento;
E este que vos diz que nunca foram tão necessários a harmonia e o
entendimento em toda a parte e em nosso país, principalmente
como hoje. Não vos estou falando dos simples entendimentos
resultantes de combinações políticas, mas de amplo, alto e pro-
fundo entendimento, de tolerância mútua, de compreensão verda-
deiramente cristã para que sejam enfrentados os obstáculos, ven-
cidas as dificuldades e preservada a herança para os que nos vão
suceder. Só assim seremos dignos do legado que representa este
grande e promissor país que nos incumbe desenvolver material-
mente, mas conservar também intacto das deformações e falsifi-
cações que constituem o maior e mais permanente perigo desta
época. Não esperem também os privilegiados da fortuna que a
força organizada para a defesa do Brasil, das suas instituições livres
e dos seus princípios democráticos, possa ser transformada num
corpo de janízaros ou os poderes do Estado convertidos em instru-
mentos de servidão. Não estarão a serviço do seu egoísmo eu da
sua cegueira, para perpetuar as desigualdades sociais contra os
clamores da justiça social, a ganância contra a miséria, para prote-
ger o opressor contra a fraqueza dos oprimidos, os espoliadores contra o abandono dos espoliados, para manter enfim a existência duma
sociedade dividida entre os que têm o supérfluo para desfrutar e
os que não têm o indispensável para viver.
Esta é a data em que se recorda a noite inaugural da nossa era.
No princípio era um berço arranjado numa mangedoura, e deste
berço, através dos séculos, é que jorra o princípio da tolerância e
fraternidade humana, da paz e amor entre os homens e de tudo
o mais que enobrece e torna delicada a vida na terra. É preciso
que as palavras congratulatórias e festivas pronunciadas por todos
nós neste dia reunam a disposição íntima que corresponda à
firme promessa de que o cristianismo não seja em nosso espírito
rótulo e fórmula, um nome sem conteúdo, mas sim a consciência
da maior responsabilidade assumida diante da vida.
Que a luz de Natal se derrame indistintamente em todos os
lares do Brasil, na forma de esperança em dias melhores e mais
prósperos, esperança de concórdia, esperança de que sejam confun-
didos os que pregam e desejam o reino do mal para que renasça o
amor nos corações e refloresça a paz entre os povos.

-Getúlio Dornelles Vargas, 24 de dezembro de 1952.



Postar um comentário

0 Comentários